Em Mimológica, reúnem-se trabalhos de projetos recentes – alguns já apresentados publicamente e outros ainda em processo – com o propósito de constituírem uma nova composição em torno dos temas da voz, da oralidade, do maravilhoso (e do maravilhamento), do fantástico e do seu efeito no real. Subjaz a estes trabalhos o facto de terem sido realizados segundo uma lógica mimética, como a via eleita de aproximação ao ambiente sensível e como estímulo ao sensorial, recolhendo e combinando semelhanças visuais e sonoras entre múltiplas dimensões do existente, de modo a valorizar-se outras formas de comunicação.
Chão de Urtigas, dedicada especialmente a um público infantojuvenil, foi uma performance pensada despertar para a sensibilização ecológica, a partir do desafio do “maravilhamento” proposto por Rachel Carson em The Sense of Wonder, a qual teve lugar na Sala Estúdio Perpétuo – Educação e Cultura (Porto) em setembro de 2024. A performance debruçou-se sobre a linguagem e o cuidado ou descuidado na escolha do uso de certas palavras (Vazio, Nada e Silêncio); sobre os animais em precipitada adaptação ao ambiente da intensa iluminação artificial (a borboleta, a mariposa e o morcego) e a sua ligação de interdependência à biodiversidade; sobre o excesso de luz (poluição luminosa) e a consequente perda da possibilidade de se observar um céu estrelado, e assim de se ter uma experiência significativa com o infinito, etc... O vídeo reúne e combina todos os elementos, materiais, visuais e sonoros, e expande-se também para as plataformas digitais onde está disponível. A obra continua em processo e prolonga-se no tempo através da gravação de um LP.
Maravilhamento (Straparola) é uma peça em cerâmica desenvolvida ao longo do ano de 2024 a partir de uma outra peça com o título Ce sont les énigmes de Straparola. Elles étaient dédiées à celles et ceux qui dansaient, chantaient et riaient des nuits durant – se contant les meilleures fables de l'Est et de l'Ouest – pour échapper à la réalité du quotidien. Esta primeira peça foi apresentada na exposição individual Langages Tissés (2021), no Centre d’Art Le Lait, em Albi, França, e foi estruturada a partir de um estudo exaustivo da quantidade e do conteúdo dos contos recolhidos da cultura popular e transpostos da oralidade para o papel por Giovanni Francesco Straparola, em Le Piacevoli Notti, no século XVI. Quando a peça foi realizada, há quatro anos, em plena pandemia, o livro de Straparola – que por sua vez tomou como modelo a estrutura literária de Decameron de Boccaccio – voltou a ter destaque, uma vez que relata como um grupo de pessoas em isolamento (neste caso voluntário) se “entretinham” para passar o tempo a contar, umas às outras, os tais contos populares. Algo semelhante aconteceu em 2024 no contexto de uma oficina de cerâmica, onde encontrei um grupo intergeracional de frequentadores que, desta vez, se “entretinham” a efabular sobre o maravilhoso do quotidiano e a discutir o cenário político. Por mais divergentes que fossem os nossos pontos de vista, concluíamos invariavelmente que estávamos a assistir a um genocídio na Palestina e que “os fascistas não passarão!”.
O vídeo O Teatro das Plantas resultou também da reunião de elementos de uma performance homónima, realizada em fevereiro de 2023, no Museu Soares dos Reis, no Porto, a partir de uma pintura de Aurélia de Souza, na qual figura um jardim. É em torno desse ambiente que são eleitas para a narrativa, entre o enigmático e o manifesto político, as práticas de cuidado e as relações de interdependência de todos os seus habitantes. O vídeo foi apresentado no final desse ano na exposição Casting a Sounding Voice (CAAA, Guimarães), dedicada à voz e à audição, humana e além-humana.
Da investigação realizada para a exposição Casting a Sounding Voice, em torno da voz, apresentam-se aqui esculturas em bronze, criadas a partir de moldes e contramoldes de duas únicas matrizes, e outras formadas a partir de modelos de gargantas em tamanho aproximadamente real, com o objetivo de evocar a fisiologia da voz e a sua relação com o toque e o sensorial. Inclui-se também, nesta amostra, um tapete em ponto de Beiriz, originário da zona que lhe dá nome, na Póvoa do Varzim, com um desenho da série Arder a Palavra e outros Incêndios, o qual foi realizado no verão de 2023 no espaço Performing the Archive (Porto). Este foi inspirado no livro de ensaios homónimo de Ana Luísa Amaral (publicado em 2018), no qual a poeta (ensaísta e investigadora de estudos queer) defende uma linguagem integrada na materialidade do corpo.
O Livro do Tigre é um projeto que parte de Le Livre du Tigre (1977), livro escrito e autopublicado pela escultora Isabel Meyrelles (Matosinhos, 1929), e do nosso diálogo, continuado em três encontros, em Paris. O que aqui se apresenta é um ensaio visual para a capa de um vinil em processo de produção, no qual declamo os poemas da autora em português, enquanto Emilienne Paoli, companheira de Meyrelles, os lerá em francês. Meyrelles, que integra o seu trabalho no campo do Fantástico, foi uma especialista nos géneros da Ficção Científica e do Fantástico. Em Le Livre du Tigre, em particular, percebem-se referências a um imaginário de existências alternativas, especulando em torno de dimensões temporais e espaciais, e colocando o sujeito discursivo emissor de declarações amorosas num cenário de realidades insondáveis. O projeto encontra-se em curso, e esta é a sua primeira apresentação pública.
Por fim, os painéis de azulejos Funtósia derivam de um ponto de água, uma fonte com o mesmo nome, bem identificada em Picote, no Douro Internacional, onde se diz que contos e fábulas eram transmitidos pelos habitantes que ali se abasteciam de água. Já é recorrente no meu trabalho o registo do movimento da água, desta vez os painéis desenvolveram-se a partir da própria “fala” hídrica e da memória nela contida, assim como da História de uma região do país profundamente marcada pelo controlo e privatização das águas, consequência da modernização e do progresso concretizados pelas hidroelétricas.