Lanhaslândia
Há artistas que demarcam um território criativo tão singular que dificilmente se deixam posicionar no fluxo contínuo da história da arte.
Fernando Lanhas (Porto, 1923 – 2012) será sempre mencionado como percursor do abstracionismo em Portugal, mas é provável que tal etiqueta acabe por ser contraproducente na informada receção da magnitude projetual dos seus desígnios artísticos.
A dimensão sísmica de réplicas continuadas é aquilo que melhor define o território Lanhas: uma obra que não se vincula exclusivamente a um tempo determinado, antes uma cartografia difusa, avassaladora e atuante do exercício constante da curiosidade estética e científica.
A sua obra é presente contínuo, é exemplo erigido a partir de uma idiossincrática abertura ao desconhecido. Arquitetura, cosmologia, astronomia, arqueologia, museologia, poesia e arte não são mais do que saberes-constelações em mutante interconexão que um cérebro e um corpo, em determinada altura, souberam interpretar como fonte de infinitas interrogações, tanto na claridade racional, como na especulação quase xamânica.
O Lanhas que toca, mede, mapeia e divulga. O Lanhas que levita na ação poética, no escrutínio plástico, na densidade quase minimal da palavra precisa, da pintura elementar, rigorosa e modernamente universal.
Lanhaslândia: um país sem fronteiras, que tal como o seu fundador tem a capacidade de em sonho levitar com a gravidade profunda de um saber-outro que nos desarma e deixa em contínuo sobressalto.
Esta exposição não é mais do que um apontamento indexical dessa desterritorialização da expectável convencionalidade do fazer artístico.
Entre os seus magníficos estilhaços contam-se:
- anedotas publicadas no Primeiro de Janeiro entre 1946 e 1950, cuidadosamente recortadas e guardadas pelo seu autor (na altura assinando com o pseudónimo Clemente)
- quatro fotografias ampliadas de um conjunto de centenas de slides que documentam viagens de estudo e momentos de descoberta num território que aquele olhar interpretava como ninguém
- desenhos inéditos, aqui mostrados pela primeira vez
- uma pintura raramente vista
- fotocópias de três sonhos
- seixos pintados, numa intervenção sem paralelo no contexto da aproximação da arte à natureza pela sua desarmante simplicidade e eficácia estética
- mapas (de grandezas e naturezas distintas)
- planos de arquitetura de exposição
- um desconcertante projeto de um dispositivo fotográfico aéreo
- apresentações de projetos de arquitetura
- dois fósseis (graptólitos) descobertos em 1943 que evidenciam sinais verdadeiramente premonitórios e ecoantes de uma natureza abstrata da pintura por vir
Lanhaslândia é, assim, a incompletude assumida de uma pergunta sempre repetida por Fernando Lanhas: “o que é isto tudo?”.
Miguel von Hafe Pérez