Inauguração: 21 Setembro, 22 horas
A organização em 1977 de ALTERNATIVA ZERO, unanimemente considerada uma das mais importantes exposições portuguesas e por isso mesmo uma das mais estudadas, analisadas e discutidas, marcou de tal forma o percurso de Ernesto de Sousa que acabou por dificultar uma plena recepção do seu trabalho. Se cedo foi por todos considerado um dos mais estimulantes curadores portugueses dos anos de 1960, 1970 e 1980, tardou mais a que fosse compreendido o verdadeiro alcance da sua contribuição para as artes portuguesas. É que Ernesto de Sousa foi muito mais do que um curador, residindo na diversidade e na articulação de saberes, matérias, disciplinas e colaborações por si levada a cabo a sua irredutível singularidade. Numa altura em que em Portugal tanto se discute a contribuição dos artistas para uma abordagem à fotografia desalinhada com a sua história disciplinar e posta ao serviço das preocupações estéticas que definiram os anos de 1960-70 (com a recente organização de exposições e edição de livros dedicados a este tema), é particularmente relevante perceber a contribuição de Ernesto de Sousa para essa alteração de paradigma.
Esta exposição, ao apresentar provas de contacto por si produzidas na década de 1970, permite compreender como soube Ernesto de Sousa fazer da fotografia uma ferramenta para explorar algumas das suas preocupações fundamentais: o permanente espírito colaborativo (não por acaso grande parte dos “motivos” representados passa por colegas artistas), a relação intercambiável entre tempos muito distantes, nomeadamente ancestralidade e vanguardas (note-se a referência a Olympia, ou a Luiz Vaz), a capacidade da fragmentação, da repetição e de inusitadas relações de escala para redefinir a nossa relação com objectos e disciplinas familiares; também é particularmente curiosa a relação destas fotografias com o cinema – e não nos podemos esquecer que devemos a Ernesto de Sousa um dos mais importantes filmes para se pensar o novo cinema português dos anos 1960, Dom Roberto (1962, Prémio da Jovem Crítica em Cannes): além de fazerem pensar nos famosos Screen Tests (1964–1966), de Andy Warhol, estas provas de contacto parecem confundir-se às tantas com a repérage para filmes que nunca hão-de ser.
Ernesto de Sousa
1921–1988
Ernesto de Sousa tem sido, pelo menos nos últimos 20 anos, um dos nomes mais influentes para todos quanto pensam, fazem e escrevem sobre arte em Portugal, desde curadores, críticos e historiadores de arte a novas gerações de artistas. Fotógrafo, cineasta, escritor, teórico, ensaísta, crítico de arte e de cinema, curador, estudioso da arte popular, pioneiro na organização de happenings e de projectos multi-media, a todos estas actividades se dedicou simultaneamente com empenho, seriedade, rigor e um premeditado e desassombrado amadorismo. A forma como relacionou todas as expressões artísticas e abalou alicerces disciplinares, como confundiu cronologias e geografias (arte popular e arte erudita – as neovanguardas, em particular –, velhas e novíssimas tecnologias, periferia e centro) tornou a sua prática um singular exemplo e um inesgotável caso de estudo. O facto de privilegiar a colaboração, se ter dedicado a actividades tão diversas, sempre ter resistido a ser definido disciplinarmente e ter reivindicado abertamente influências, torna-o ainda um caso sério para uma reflexão sobre o próprio conceito de autoria. Apesar da diversidade de abordagens às artes e da grande variedade de meios artísticos por si explorados, podemos afirmar que a fotografia desempenhou no seu percurso um papel fundamental: descoberta muito cedo, base dos seus posteriores envolvimentos com o cinema e o vídeo, ela também lhe serviu para estudar a cultura popular, abordar de forma original a escultura, estruturar os mixed-media dos anos 1960-70 ou, como esta exposição bem exemplifica, para criar com os outros e com as coisas um espaço de proximidade, de intimidade, um aqui e agora que nos ajude a compreender que Nós Não Estamos Algures (nome de um seu mixed-media de 1969).