Ana Santos apresenta nesta exposição algumas peças que
surpreendem pelo tom, escala, liberdade e precisão no uso dos materiais
organizados a partir de um eixo vertical.
A lógica de construção em cada uma delas ecoa com a tradição do haiku Japonês
que traz as palavras à presença física de uma vibração. Ana Santos atende à
razão dos materiais eles próprios e manipula-os até acertar. Nem mais nem menos. O modo de juntar,
sobrepor, cortar, torcer, transforma a colagem em subtracção. A operação é
varrer enquanto cose-cozinha os pequenos acidentes. O varrimento vem
depois de uma atenção demorada fazendo o espaço em volta acontecer à justa. Trata-se de chegar à vibração certa.
Como acertar? Fazendo coincidir velocidades diferentes.
Subtrair é a operação decisiva que vem sempre depois,
quase no fim da peça acabada. Subtrair torna-se uma maneira de fazer respirar.
É momento de suspensão e, por isso, decisivo. É preciso que os materiais
encontrem a sua estabilidade interna. Nunca sabemos qual é antes de começar.
PVC,
fios de nylon, bronze, ferro, chumbo, purpurina, parasol, fitas, motor
giratório, parafina, purpurina, calcário, cola, colante, vidro, plástico,
mangueira, tubo, penas e a lista continua.
Como
faze-los confluir? A simples colocação dos objectos no espaço, dá-nos pistas
para prosseguir. O olho que está aqui em causa reconhece, escolhe e incide como
um laser sobre esta ou aquela junção, este e aquele intervalo entre duas
coisas. Texturas, tecidos – os nervos de qualquer matéria – são tomados como
cachos, por parcelas ou famílias e depois encostados à parede ou dispostos no
chão. É preciso atender à posição certa antes de tudo. Pôr, dispor, sobrepor,
contrapor: tudo maneiras de propor equilíbrios que se aguentam. Daí a
elegância. Aguentam-se, com precisão, na escala do possível flexível.
Há
nestas propostas (chamemos-lhes assim por enquanto) uma naturalidade
alienígena.
De onde vem ela? Vem de reconhecer um princípio de acção
em cada matéria usada, isto é –
atender ao timbre dos materiais eles próprios.
São quase todos pré fabricados, torcidos até chegarem por inteiro à sua
natureza estranha. E não esquecer o Duns Escoto “a natureza é
sempre curva” – começa-se numa ponta e não se acaba na outra. Gira-se à volta
de cada peça, volta-se lá, aos pequenos detalhes, ajeita-se aqui, tira-se dali.
A atenção sempre em círculos a concentrar. Matryoshka-Matriz. O eixo vertical
segura os ritmos circulares:
É o caso de um tubo de pvc a furar um banco metálico
paralelo à anilha na cintura do tubo, rodeando uma cortina redonda de fios
compridos amarelados que caem da boca tubular quase até ao chão.
Ou dois parassóis pretos translúcidos giratórios que
rodam paralelos muito próximos um do outro à distancia de dois dedos, presos
por um fio fitado que continua quase até ao chão.
A delicadeza que vem da acuidade das combinatórias
deve-se ao apuramento do método que é frio e quente. Implica uma entrega à
tarefa que só um pragmatismo devaneante consegue. Envolve cozimento e costura,
rapidez na captura dos acidentes que ficam, limpeza e varrimento para perseguir
os acasos certos. Abertura – porque anatureza é sempre curva e não se sabe
quando nos vai apanhar.
have you come
to save us haiku poets?
red dragonfly
Kobayashi Issa
Francisca Carvalho
Junho de 2017