No próximo dia 13 de Fevereiro, pelas 22h, inaugura na Galeria Quadrado Azul - Lisboa, Protótipos, a mais recente exposição de Francisco Tropa.
FRANCISCO TROPA. PROTÓTIPOS
De acordo com o dicionário, protótipo é «o modelo no qual se baseiam ou ao qual podem ser reportados factos ou fenómenos que se verificam subsequentemente», ou ainda, «o modelo realizado na última fase de um projecto (de uma máquina, dispositivo, etc.) que se destina a servir de ponto de partida para a produção em série». Ambas as definições se aplicam às obras apresentadas nesta exposição. Boa parte delas datam da década de 1990, e contêm ideias que Tropa continuaria a explorar e a desenvolver até hoje: são «protótipos», ou precedentes, de grande parte da sua produção. E quase todas se inspiram na ideia de obra enquanto utensílio / instrumento / máquina, seja do ponto de vista formal (adoptando uma estética que habitualmente é associada a objectos com intuitos práticos), seja do ponto de vista filosófico. Apesar de não se poder falar de uma produção em série, em alguns casos, a primeira versão da obra – o «protótipo», desta vez na segunda acepção da palavra – é seguida, à distância de um tempo, por uma ou mais instâncias que são aqui expostas lado a lado com a original.
E as máquinas de Tropa são, evidentemente, instrumentos paradoxais. Os seus «painéis solares» (Placas Solares, 1992), que explodem se forem expostos ao sol os seus instrumentos de medição linear (Cana, 2006; Metros, 2007), que não respeitam a norma, ou os seus objectos para recolher poeira ou orvalho (propósitos que são, por si só, singulares) não respondem ao imperativo da eficiência , (quanto muito, ao da elegância).
Enquanto máquinas que contradizem o princípio da produtividade, os «protótipos» de Tropa pertencem a uma importante tradição artística e cultural do século XX. Uma linhagem inaugurada com as delirantes máquinas para criar arte descritas por Raymond Roussel nos seus romances, consagrada pelas «máquinas celibatárias» de Marcel Duchamp, e que se foram desenvolvendo no espaço de um século com contribuições tão díspares como a Máquina de Chilrear de Paul Klee, de 1922, ou as poéticas Máquinas Inúteis criadas pelo italiano Bruno Munari nas décadas de trinta e quarenta; dos aparelhos surreais desenhados pelo cartoonista americano Rube Goldberg (1883-1970) à «ultimate machine» idealizada em 1952 pelo pioneiro da inteligência artificial Marvin Minsky, cuja única função era a de desligar-se a si própria; ou da célebre afirmação de Sol LeWitt de que «a ideia torna-se na máquina que faz a arte» à definição proposta por Umberto Eco do texto literário como «máquina preguiçosa» que necessita da colaboração do leitor para produzir sentido.
Entre as muitas antecessoras, as máquinas de Tropa são idealmente mais próximas das dos fundadores, Roussel e Duchamp. Em primeiro lugar, partem da sugestão do engenho gratuito, cuja complexidade é essencialmente a sua própria finalidade; em segundo lugar, da estética do instrumento de medição portátil, completo com elegantes estojos feitos à medida, e a ideia que o «funcionamento» da obra deve ser deixado à imaginação do espectador. A partir destas premissas, Tropa desenvolveu um conjunto de dispositivos totalmente originais, nas suas funções reais e simbólicas, que frequentemente remetem para a paisagem familiar do artista (ao campo português, ao oceano) e à disciplina na qual se formou, o desenho: vejam-se, por exemplo, as obras concebidas para medir as correntes marinhas ou fluviais, ou Horizonte Artificial, que cita o «espelho negro de Claude» usado por desenhadores de paisagens dos séculos XVIII e XIX. Um conjunto de instrumentos-obras que condizem com o que Vladimir Nabokov apontava como a suprema ambição do escritor: a de combinar «a precisão do poeta com a imaginação do cientista». [the precision of a poet and the imagination of a scientist].
Simone Menegoi