2012.06.21—2012.07.31
Cacos
Kevin van Braak

Cacos é uma instalação de fotografia e escultura que constitui um prolongamento do projecto concebido por Kevin van Braak para a exposição colectiva knell dobre glas. Uma série de dezasseis esculturas, que figuram personagens ligadas sobretudo ao poder político e económico, foi produzida em barro por um artesão da região de Barcelos. Posteriormente, as cabeças foram sujeitas à acção do fogo, e a exposição mostra o resultado desse mesmo processo. 

Cacos

texto de Óscar Faria
          

Cacos tem a sua origem num projecto realizado por Kevin van Braak para a exposição knell dobre glas, recentemente apresentada nos diversos espaços da Galeria Quadrado Azul. No âmbito desta mostra, o artista produziu, em colaboração com José Esteves, um oleiro da região de Barcelos, dezasseis cabeças em barro, que representavam, numa estética realista, figuras intimamente ligadas à administração económica, política e militar do planeta.

Desde o primeiro instante, a ideia foi sempre a de que o trabalho culminasse na queima das cabeças, sendo o resultado desse processo, os cacos, apresentados na galeria como alegoria da crise actual e do desejo em superar este tempo dominado pelos mercados, pelo capital, pela violência. O poder também tem um fim: assim, desfeito em pedaços, devastado pelas chamas. 

A ideia de morte percorre todo o projecto de Kevin van Braak. As cabeças foram modeladas a partir de imagens encontradas na internet: entre imagens corporativas e outras colhidas do fluxo mediático, o artista formou o seu arquivo. As figuras vivem na condição de fantasmas: são homens sem espessura, lisos, dificilmente identificáveis, pois a sua acção rege-se pelo segredo, em espaços distantes da esfera pública e do controle dos eleitores.

Kevin van Braak optou também por realizar as cabeças numa dimensão superior à escala humana, sublinhando nesse gesto a monstruosidade dos retratados. Ao visitante de knell dobre glas, as cabeças surgiam no chão, decapitadas, ou então 
do chão, como se os corpos tivessem sido enterrados, tal como acontece no Inferno, de Dante. A vontade de as entregar às chamas fez o resto do trabalho: quase nada resta, apenas cacos, crânios esburacados, pedaços de órgãos, sem identidade.

Os cacos visíveis na galeria, numa linha contínua, espécie de vala comum, não deixam também de recordar a descoberta de corpos violentamente sacrificados por genocídios, perseguições étnicas, vários totalitarismos. Contudo, a situação é revertida, pois são os detentores do poder que agora surgem enquanto vítimas de um acto desejante, alegórico, mesmo festivo – o capital devastado pela arte, há imagem mais bela?

Cacos, (vista da instalação), 2012. Barro. Dimensões variáveis